domingo, 6 de dezembro de 2009

Tempo de admiração e não de reprovação

Tempo de admiração e não de reprovação

Há muitas Lauras que permanecem
no anonimato do coletivo das salas de aula,
a quem é necessário dar atenção ...

Final de ano nas escolas, mas não final de caminho. Os caminhos da aprendizagem não são trajetos lineares, com início, meio e fim. As crianças e jovens surpreendem a cada momento.
“Nenhum dia igual ao outro”, para quem os observa curiosamente.
Avaliar em educação significa acompanhar estas surpreendentes mudanças, “admirando” aluno por aluno em seus jeitos especiais de viver, de aprender a ler e a escrever, em suas formas de conviver com os outros para ajudá-los a prosseguir em suas descobertas, a superar seus anseios, dúvidas e obstáculos naturais ao desenvolvimento. Ninguém aprende sozinho. E os alunos não aprendem sem bons professores. Para favorecer, de fato, o melhor desenvolvimento possível, é necessário conhecê-los muito bem, conversar com eles, estar junto deles (Hoffmann, 2001; 2005).
Vou contar uma história de um “tempo de admiração” em avaliação. É uma história real dentre duas centenas que já tive o privilégio de acompanhar.
Em agosto de 2005, a supervisora educacional de uma escola particular do Nordeste escolheu a aluna Laura para “admirar” e para “cuidar” que aprendesse melhor. Em seu primeiro relatório, entre outras observações, escreveu:

Laura é uma adolescente de 13 anos, com corpo franzino, olhar distante, que cursa a 5ª série, e que escolhi para cuidar porque é bastante tímida. Tudo com Laura é aos “pouquinhos” – fala pouquinho, aprende de pouquinho... Conseguiu aprender a ler na 3ª série, mas precisou repetir, pois sentia um “pouquinho” de dificuldade em português e matemática. Pela observação lê gaguejando e soletra para ler. Está em aula de reforço e acha que está melhorando em matemática “um pouco”, mas em português não consegue avançar. Gosta da escola, de fazer os trabalhos em grupo, de conversar com as amigas. Confesso que durante as tarefas avaliativas sente frio nas mãos e fica trêmula, pois sabe que “na hora H” a memória não funciona, dá um branco...

Em conversa da supervisora com seus professores, eles foram unânimes em diagnosticar a aluna como um caso sem solução: “Não aprendeu nada durante o ano, está com notas baixas – sem chance de mudar de série; aquilo é um caso sui generis, não participa, não faz tarefas, até a chamada responde baixinho; apresenta-se apática em sala de aula, não há motivação; nunca faz as tarefas, só funciona no grupo”.
Os pais de Laura, em conversa com a supervisora por ocasião do estudo, disseram que ela tinha sérias limitações desde pequena, que haviam consultado médicos e especialistas: “Não faz nada em casa, sempre se sente cansada, não tem rotina de estudos, se acha feia, burra...”
Mas a supervisora acreditou na menina. Conversou com ela, ofereceu sua ajuda e se dispôs a fazer do “seu pouquinho” de Laura, de sua voz inaudível, do seu “caso crítico”, o seu maior compromisso naquele momento. Sentou com ela para orientá-la a se organizar em suas tarefas, comprou-lhe um pequeno diário para se corresponderem por escrito, trocou Laura de lugar na sala de aula, sentando-a bem na frente e pedindo aos professores que se comprometessem a orientá-la, leu, com a menina, livros de pequenas histórias para adolescentes...
Mais do que isso, a supervisora “mimou” Laura. Ia buscá-la na hora da saída para lhe dar um beijo e ver como estavam as coisas, elogiou seu corpo magrinho e esbelto, sugeriu que soltasse os cabelos, que usasse batom. A relação entre as duas tornou-se uma amizade verdadeira. E Laura, que escondia até então seu desejo de “ser modelo e de desfilar” no fundo de uma sala emudecida, revelou-se uma linda e esperta adolescente de 13 anos. Fez mais amigos na escola. Foi convidada pra novos grupos de trabalho.
Em três meses, Laura estava lendo e escrevendo melhor, fez e apresentou o melhor trabalho de geografia da classe na Mostra Cultural da escola, progrediu em todas as disciplinas como comprovaram os professores (nem tanto em matemática, cuja professora resistiu em acreditar). Foi aprovada para a série seguinte.
Em seu depoimento em vídeo, Laura disse que mudou de “lugar na sala e na vida, e que agora estava tudo diferente”. Os pais agradeceram por sua notável evolução e desejo de aprender. O que se viu na tela foi uma menina alegre e charmosa, de brincos, cabelos soltos, com um largo sorriso no rosto.
A supervisora me disse que iria continuar “cuidando” de Laura no ano seguinte, que considerava seu compromisso dar continuidade ao que iniciara, pois ela ainda precisava de auxílio em leitura e escrita.
Há muitas Lauras que permanecem no anonimato do coletivo das salas de aula, a quem é necessário dar atenção, ensinar o que ainda não aprendeu, auxiliar a organizar agendas e cadernos. Ao invés disto, por vezes, ficam abandonadas. “Não sei por onde começar!” – me disse uma professora. Não há caminhos prontos, metodologias definidas para se aproximar dos alunos e compreendê-los melhor. Esta é uma tarefa que se inicia sem saber por onde continuar ou se teremos coragem de interromper. Como a supervisora que cuidou de Laura percebeu – fica-se eternamente comprometido com os alunos a quem “admiramos e promovemos”! É sempre “tempo de admirá-los”, não de reprová-los! Pouco tempo, alguns meses apenas no final do ano podem representar a superação de uma vida inteira para crianças e jovens.
Posso dizer que tenho o privilégio de ter visto isto acontecer pela coragem e compromisso de educadores que acreditam nesta possibilidade.

FONTE:
Hoffmann, Jussara Maria Lerch. Avaliar: respeitar primeiro, educar depois. Porto Alegre: Mediação, 2008.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

PARABÉNS EDUCADORES! 15 DE OUTUBRO
REFLEXÃO: O PROBLEMA DA INDIVIDUAÇÃO NO COLETIVO

Uma das questões que dificultam a educação atual está relacionada ao problema da individuação no coletivo, isto é, da importância de termos um olhar individual diante da realidade de sala de aula em que acontece a relação entre professor(a) e aluno(a).
Cada aluno(a) traz uma história de vida, uma família, uma cultura, aprendizados que o tornam diferente. A cada novo olhar que se aproxima do Colégio surge uma nova demanda, um novo desafio, uma nova riqueza.
O Colégio está em constante movimento de conhecimento entre professor(a) e aluno(a), em que acontece a busca da individuação. Sendo assim, será que os segredos do sucesso na educação está em desenvolver a capacidade intuitiva, transcender nossos preconceitos para poder captar a unicidade de cada aluno(a) na interação com o meio? Somos profissionais da educação e tentamos buscar sentido mais profundo, imerso no ser de cada aluno(a). Nós, profissionais, gostamos de ser ouvidos, respeitados, admirados pelos(as) nossos(as) aluno(as). Cabe-nos perguntar quanto tempo de nossas aulas dedicamos às idéias diversas das nossas, mesmo daquele que não acredita na utilidade do que dizemos. Acredito que o(a) aluno(a) precisa ser ouvido, respeitado por suas idéias e questionado naquilo que acredita serem suas grandes verdades. Colocar-se lado a lado nesse processo é permitir que nossas “verdades” sejam postas em dúvida. Enquanto existem os questionamentos, a possibilidade de troca se faz sentir. Facilmente “fechamos” este questionamento e constatamos que fazemos o papel de professor(a) de escritório, apenas carimbamos as notas baixas nos passaportes dos(as) alunos(as). Com essa postura, afirmamos nossa cômoda maneira de não resolver situações - problema. Nossos talentos precisam ser aprimorados para que possamos nos sentir estimulados para melhor ajuda-los a partir da área que atuamos.
Outro fator que não deve ser descuidado é a emoção dos(as) alunos(as), a fim de que possamos ativar sua memória, a qual é responsável pelas relações mentais entre o que está ouvindo e as experiências adquiridas no passado, e então possa fazer representações nos moldes da sociedade atual (Cury, 2003). O processo da individuação assinala para nos desprendermos das aulas expositivas e de nossos objetivos pré-preparados, para dar atenção a situações de desconforto ou alegria que o grupo está vivenciando.
Ser professor é ser desafiado constantemente num mundo que se tecnologiza e rouba das pessoas o lado emocional e humano, e aqui pecamos por não nos darmos conta de nosso trabalho de profissionais do saber alicerçados em valores existenciais.
Olhar o indivíduo no particular é estar aberto para a possibilidade de que nem todos irão compreender ou desenvolver algum conhecimento apenas com uma única metodologia. Se oportunizarmos meios criativos para que o(a) aluno(a) possa ter prazer no exercício de troca de experiências e idéias, maiores serão as chances de esses momentos se tornarem significativos e inesquecíveis.
Se fizermos uma reminiscência dos momentos em que fomos alunos(as) , para muitos de nós os(as) professores(as) inesquecíveis foram aqueles que souberam ser e ensinar, que tiveram a coragem de aceitar nossas limitações a fim de nos conduzir por outros caminhos desconhecidos e favoráveis ao conhecimento, sem, no entanto, deixar de ser pessoa.

Referência Bibliográfica: CURY, Augusto. Pais Brilhantes, Professores Fascinantes. Sextante, 2003.
Rosângela de Mello Maciel

domingo, 23 de agosto de 2009

O espaço da Escola e dos Educadores na vida dos alunos

“... acredita que a Escola possa ser um lugar de satisfação,
de alegria, um lugar com espaço para
especificidade da infância e da juventude e,
em suas palavras, compromete-nos a trabalhar para que isso aconteça.”
Snyders, 1993.

O processo de mundialização, iniciado timidamente com as grandes descobertas e acelerado no final do século XX, com a globalização e o neoliberalismo, aponta-nos a necessidade de investirmos ainda mais na formação de nossos alunos dentro da Escola, colaborando para que sejam cidadãos conscientes, com direitos e deveres já instituídos e muitos outros por constituir, fazendo valer a máxima de que, o espaço Escola seja “um lugar de satisfação, de alegria para especificidade da infância e da juventude...” Tudo isso, aumenta ainda mais, nossa responsabilidade como educadores.

Contudo, algumas Escolas começam a reorganizar suas práticas movidas pela convicção de que a Escola tem hoje uma função educativa mais ampla, cabendo-lhes suplementar a ação da família. Isso ocorre porque, paralelamente às modificações na estrutura e na dinâmica familiar, as crianças e, sobretudo os jovens, estão cada vez mais fragilizados, expostos a uma gama crescente de perigos e influências negativas. O desrespeito e a irreverência estão presentes na mídia – a qual banaliza e promove a violência e a erotização precoce, nos shoppings - que estimulam o consumismo e o exibicionismo, nas ruas e nos bares – onde a violência, a sexualidade e a droga atraem e aprisionam crianças, adolescentes e jovens.

Esse reorganizar a Escola passa pela tentativa de torná-la um espaço mais atraente, acolhedor, agradável, estimulante e formador de opiniões e comportamentos. Assim, são agregados ao currículo eventos: extraclasse, aulas especiais extra-horário, atividades extracurriculares, é a oferta da Escola em tempo integral, o atendimento aos aspectos nutricionais....

Em contrapartida, em sala de aula pouca coisa mudou. Professores continuam expondo o conteúdo, marcando tarefas corriqueiras, usando somente quadro e giz, mandando abrir o livro e vamos ler o texto...
Até quando?

Lentamente conseguimos ver algumas mudanças e assistir um movimento de renovação das práticas escolares.
As Escolas começam a:
· flexibilizar o tempo: passando para trimestres (dando assim um espaço maior para consolidar o processo de aprendizagem dos alunos);
· diminuir o número de avaliações (levando em consideração o aprendizado diário dos alunos);
· modificar seus registros escolares (não somente o boletim com notas, mas com pareceres, relatórios e conceitos);
· incluir no currículo filosofia, história da arte, música, dança (valorizando o ser);
· incentivar e promover o protagonismo juvenil através de grupos de jovens, grêmio estudantil, pastoral da juventude (com objetivos variados – cunho social, político, cultural, artístico, ecológico, ou de missão e engajamento);
· promover gincanas, festivais, feiras, mostras, que envolvam os alunos, direcionando seus interesses, oportunizando a canalização da energia e da agressividade.

O que tem sido feito faz-nos acreditar que a Escola sobreviverá, reforçando a idéia de que começamos a descobrir caminhos e alternativas para que ela se torne atraente e útil aos alunos, suas famílias e à sociedade como um todo.

Educadores e gestores - precisamos compartilhar o desejo e o esforço em mudar. É urgente a necessidade de valorizarmos nossas práticas educativas e de gestão escolar.

Como ponto de partida, proponho uma reflexão sobre nossos referenciais teóricos - os que fundamentam e que enriquecem a cada um de nós como educadores e gestores - pesquisadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
ACÚRCIO, M. R. B. Questões Urgentes na Educação. Porto Alegre/ Belo Horizonte: Artmed, 2002.
ANTUNES, C. Novas Formas de Ensinar, Novas Formas de Aprender. Porto Alegre: Artmed, 2002.
FREIRE,P. Educação e Mudança. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
NEIL, A. S. Liberdade sem Excesso. São Paulo: Ed. Ibrasa, 2002.
SNYDERS, G. Alunos Felizes. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Escola frente às mudanças e desafios


A escola, como instituição social, é parte de um sistema mais amplo e complexo – a sociedade – do qual depende e recebe influência, ao mesmo tempo e na mesma medida em que a ele serve e influencia. Articulada com a sociedade circundante, por intermédio de seus componentes humanos, exerce função socializadora, tanto por sua ação intencional como por meio das múltiplas relações espontâneas entre seus membros. É essa relação dialética que confere ao sistema escolar as mesmas características do sistema social, político e econômico em que está inserido.
Ao longo dos séculos, a escola tem passado por transformações significativas na tentativa de se adequar às necessidades da sociedade cada vez mais exigente e veloz em suas mudanças e inovações. No entanto, os progressos científicos e tecnológicos, as novas formas de organização político-econômica e de comportamento social tornam obsoletas e inadequadas, de um dia para outro, as estruturas escolares.
Questionada em sua forma atual, a escola reconhece hoje a urgência de uma transformação curricular quanto à seleção e gradação dos conteúdos a serem aprendidos e, além disso, quanto aos processos e às atividades de ensino e aprendizagem e de avaliação utilizados.
Para Manacorda (1989), as contradições da estrutura educativa que temos hoje se assemelham àquelas dos milênios passados: uma relação complexa entre educação e sociedade, em que é difícil separar pedagógica da prática político-social. Essa preocupação é histórica e não resolvida. É um caminho minado de contradições, de avanços e de retrocessos.
O sucesso de uma escola depende, na atualidade, de sua capacidade de superar-se e renovar-se a cada dia sem perder o fio condutor: os pressupostos ideológicos, éticos e epistemológicos que a regem, sustentem e animam.
Manter atualizada uma escola é extremamente complexo, a qual implica rever sua tradição, seus valores e ao mesmo tempo implementar as necessárias inovações, atendendo aos sinais dos tempos e às novas demandas de sua clientela.
Promover mudanças implica o desenvolvimento de uma série de competências indispensáveis ao processo de renovação.
O êxito do esforço de renovação depende, em grande parte, de um processo inicial e contínuo de diagnóstico da própria realidade e de avaliação crítica de experiência acumulada. Esse é o primeiro passo da elaboração/reelaboração participativa do projeto pedagógico, o qual sinaliza e norteia a prática educativa de uma escola comprometida com a formação integral do cidadão.
Como educadores, diante das mudanças complexas pelas quais passam o mundo, como totalidade, e as nossas vidas, como singularidade, temos um grande e importante desafio: participar criadoramente na construção de novos paradigmas para nossa prática educativa. Como podemos “reencantar a educação, unindo processos vitais a processos cognitivos” (Assman, 1996), ou acender a chama da “alegria cultural na escola” (Snyders, 1988, 1993), ou como podemos fazer da pedagogia um “ato estético, além do ético” (Freire.1996), aliando o lado crítico ao poético?
Quero acreditar como Brandão (1996), que “paraísos, e utopias, são possibilidades” e que não existe força mais poderosa do que a força daqueles que acreditam que podem mudar o mundo. Como educadores, temos esse desafio: encontrar alternativas para “reencantar a educação” aliando as mudanças aceleradas do mundo nossa busca de novas formas de vida, criativas, mais justas, dignas e, por que não, felizes?
Referências Bibliográficas:
ASSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba, SP: UNIMEP, 1993.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 1996.
MANACORDA, Mário Alighiero. História da educação: antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1989.
REDIN, Marita Martins. Entrando pela janela: o encantamento do aluno pela escola. Porto Alegre: Mediação, 2002.
SNYDERS, Georges. A alegria na escola. São Paulo: Editora Manole, 1988.